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15.01.2016

Conflitos de competência história antiga

Situação ocorrida em 2005 no Rio Grande do Sul se assemelha ao momento criado pela reportagem do jornal Gazeta do Povo acerca da competência para investigação de crimes dolosos contra a vida envolvendo militares estaduais. O texto abaixo é uma resposta do comandante do 25º Batalhão da Brigada Militar do Rio Grande do Sul ao delegado que tentava investigar homicídio praticado por PM em serviço:

 

Senhor Delegado:

Em resposta ao similar nº. 1.203/2005, de 24 de outubro do ano em fluxo, reiterado pelo de nº. 1.270/2005, desta data, ambos dessa Delegacia, reafirmo os termos do Ofício nº. 2.324/S Cor/2005, de 07 de outubro do corrente ano, para dizer-lhe que as armas não serão remetidas a essa autoridade de Polícia Judiciária comum em razão dos argumentos expostos quando de nossa primeira comunicação.

 

A decisão deste Comando em assim proceder tem em conta apenas a obediência irrestrita a aspectos de ordem legal - obrigação primeira de qualquer Agente Público, os quais, com maior minudência, passo a seguir a invocar, na expectativa de que essa autoridade compreenda as limitações de suas atribuições e não queira, indevidamente, avançar em investigação que não lhe cabe dirigir.

 

Por meio do Ofício nº. 1.203/2005, V. Sª. invocou o parágrafo único do art. 9º do Código Penal Militar, que assim estabelece:

 

“Os crimes de que trata este artigo, quando dolosos contra a vida e cometidos contra civil, são de competência da Justiça Comum.”

 

E sua invocação está rigorosamente correta na medida em que tal previsão legal, introduzida pela Lei nº. 9299/96 e constitucionalizada pela Emenda Constitucional nº. 45, deslocou a competência de processo e julgamento dos crimes dolosos contra a vida de civis praticados por militares em serviço para a Justiça Comum, vale dizer para as Varas do Júri.

 

Mas apenas a competência para processo e julgamento foi deslocada, sem que tenha havido qualquer alteração na atribuição de investigar, a qual, por expressa disposição legal inserta no § 2º do Art. 82 do Código de Processo Penal Militar, criado pela mesma Lei nº. 9.299/96, permaneceu sendo da alçada das autoridades de Polícia Judiciária Militar.

 

Apenas para contextualizar, impende transcrever tal previsão legal, que assim estabelece:

Art. 82 - O foro militar é especial e, exceto nos crimes dolosos contra a vida praticados contra civil, a ele estão sujeitos, em tempo de paz:
I - ...
...
§ 1º - ...

§ 2º - Nos crimes dolosos contra a vida, praticados contra civil, a Justiça Militar encaminhará os autos do inquérito policial militar à justiça comum. (grifei)

 

Verifica-se, pois, que o único instrumento apuratório possível é o Inquérito Policial Militar, conduzido por autoridade de Polícia Judiciária Militar.

 

Pretender que a apuração se dê por outra autoridade é negar cumprimento à lei, o que nos afastaria criminosamente de um dos princípios básicos da Administração Pública previsto no caput do Art. 37 da Constituição Federal.

 

Aliás, tal matéria já foi levada a exame da Corte Maior de nosso país pela Associação dos Delegados de Polícia do Brasil - ADEPOL, por meio da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº. 1494, que invocou exatamente a pretensa inconstitucionalidade do citado § 2º do Art. 82 do CPPM, cuja decisão do Pretório Excelso, publicada no Diário da Justiça de 18 de junho de 2001, traz a seguinte Ementa:

 

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - CRIMES DOLOSOS CONTRA A VIDA, PRATICADOS CONTRA CIVIL, POR MILITARES E POLICIAIS MILITARES

CPPM, ART. 82, § 2º, COM A REDAÇÃO DADA PELA LEI Nº. 9.299/96

INVESTIGAÇÃO PENAL EM SEDE DE I.P.M. - APARENTE VALIDADE CONSTITUCIONAL DA NORMA LEGAL

VOTOS VENCIDOS

MEDIDA LIMINAR INDEFERIDA.

 

O Pleno do Supremo Tribunal Federal, vencidos os Ministros CELSO DE MELLO (Relator), MAURÍCIO CORREA, ILMAR GALVÃO e SEPÚLVEDA PERTENCE, entendeu que a norma inscrita no Art. 82, § 2º, do CPPM, na redação dada pela Lei nº. 9.299/96, reveste-se de aparente validade constitucional.

 

Assim sendo, não há mais o que ser discutido acerca do tema quando a Corte Suprema da República Federativa do Brasil já assentou entendimento de que o instrumento hábil para investigar crimes dolosos contra a vida de civis praticados por militares em serviço é o Inquérito Policial Militar. Só ele, aliás. Perquirir-se da possibilidade de se submeter Policiais Militares a dupla investigação ou a investigação paralela seria, a juízo deste Comandante e à luz da lei, da jurisprudência e da doutrina, uma verdadeira afronta aos mais elementares princípios de Direitos Humanos, posto que todo cidadão investigado, inclusive o Policial, civil, federal ou militar, tem direito a ver cumprida a lei e a ser investigado por quem de direito, segundo as normas legais vigentes.

 

Nesse aspecto, têm sido reiteradas as tentativas algumas com êxito, é verdade de autoridades de Polícia Judiciária comum em levar a efeito tais investigações, cujas ações, além de ilegais, têm revelado menosprezo e causado humilhação aos investigados, posto que temos sido nós, os militares, especialmente os dos Estados, a única categoria profissional a ser por vezes submetida a dita dupla investigação, com todas as conseqüências legais e psicológicas já conhecidas. Além disso, a realização de dois procedimentos investigatórios sobre um mesmo fato tem causado grande insegurança na análise da prova produzida, pelas mais surtidas razões.

 

Contudo, louvo a preocupação de V. Sª. em dar curso a investigações de crimes havidos em sua circunscrição, cuja quantidade e gravidade, aliás, é expressiva, posto que, para o sucesso da ação do Sistema Criminal, pressupõe-se a atuação eficiente, sistêmica e integrada de cada um e de todos os órgãos que o compõem. Todavia, reitero os argumentos acima para cristalizar o entendimento de que sua pretensão em investigar o fato patrocinado por integrantes deste Batalhão na data de 18 de setembro passado é ilegal e, portanto, não será atendida a solicitação formulada de remessa das armas por eles utilizadas. Não por acinte ou qualquer outro sentimento menor, mas para assegurar o cumprimento da lei.

 

Repiso, por oportuno, que há regular Inquérito Policial Militar em curso, que está apurando as circunstâncias do fato, cujas diligências finais estão pendentes por falta de atendimento de solicitação feita pelo Oficial Encarregado a essa autoridade, por meio do Ofício nº. 001/IPM/3036/2005.

 

Ademais, não por respeito ou temor ao impacto que possa V. Sa. ter pretendido dar com a inserção da parte final do segundo parágrafo de seu Ofício nº. 1.270/2005, desta data, mas fundamentalmente por um dever de consciência profissional e de colaboração institucional, indico-lhe que o não atendimento a seu pedido de remessa das armas é resultado de ação minha, no Comando desta Unidade e, portanto, no legítimo exercício de minhas atividades profissionais. Assim sendo, rogo que V. Sa. reestude o tipo penal invocado, a fim de assenhorear-se de que nenhum funcionário público atuando em tal condição poderá figurar como sujeito ativo de tal crime. Isso porque o indigitado tipo penal vem inserido no Capítulo II (Dos crimes praticados por particular contra a Administração em geral) do Título XI (Dos crimes contra a Administração Pública) do Código Penal.

 

Ademais e acima disso, não tem cabimento a surpreendente e inusitada advertência feita por V. Sª. por não constituir sua solicitação, ordem legal, pelos fundamentos de fato e de direito já exaustivamente expostos no presente documento.

 

Na expectativa de ter esclarecido os fundamentos do não atendimento de sua solicitação e colocando-me à sua disposição para dialogar sobre todos os temas que envolvem nossas atividades de instituições co-irmãs, numa área que nos requer dedicação, seriedade e estrita observância da lei, reitero considerações de subido respeito e invulgar apreço

 

Atenciosamente,
Antônio Scussel, Maj QOEM
Cmt do 25º BPM

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